A Gestora de Recursos Humanos da Unidade FCCN, Rita Viegas, fala-nos sobre alguns dos principais desafios e obstáculos envolvidos na contratação de mulheres na área da Ciência e Tecnologia, revelando ainda o esforço realizado pela Unidade FCCN para a sua mitigação.

#1 Enquanto especialista em Recursos Humanos na área da Ciência e Tecnologia, como pensa que tem evoluído a participação laboral das mulheres nesta área, ao longo dos últimos anos?

Os dados mostram-nos que temos vindo a assistir a uma evolução nesta área, mas a verdade é que ainda há um caminho a percorrer. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), por exemplo, a proporção de mulheres em empregos em STEM em Portugal é já de 44%. Contudo, os empregos nesta área correspondem a apenas 12% do emprego total. Por outro lado, dentro deste número, a maior parte desta presença feminina diz respeito à área das Ciências e não à área das tecnologias da informação (TI).

Nesse sentido, penso que a área das TI é aquela onde há mais margem para evolução. Tendo em conta a transformação digital que vivemos, esta área é seguramente uma das que mais cresce em termos de mercado de trabalho, a que acolhe algumas das profissões mais valorizadas e onde vão ser criadas algumas das profissões do futuro. Atualmente, de resto, a procura por profissionais qualificados na área de IT supera largamente a oferta, sendo difícil para a maioria das organizações atrair talento.

Acredito que este cenário é uma porta aberta para a participação das mulheres. Serão necessários todos os contributos e deixar as mulheres de fora não faz sentido. Somos metade da população mundial, o que se traduz numa excelente oportunidade de garantir diversidade, seja ela de género ou outra. Olhar ao potencial do contributo de cada pessoa – vendo a diversidade de talento, perfis, ideias e contributos – é a receita para qualquer projeto de sucesso.

#2 Que desafios ou dificuldades existem no que toca à contratação de mulheres nestas áreas?

De uma forma geral, as dificuldades que se colocam às mulheres nestas áreas são as mesmas que se colocam às mulheres em qualquer outra área profissional: os estereótipos associados ao género e ao papel dos géneros no local de trabalho e na sociedade em geral. A iniquidade no que respeita ao género, real ou percebida, continua a existir, no acesso às oportunidades, seja de entrada, de promoção e remuneração.

Na Unidade FCCN, diria que a maior dificuldade que sentimos é ao nível do recrutamento. O desafio começa logo à partida, com a proporção de candidaturas de mulheres que recebemos que é muito inferior à dos homens, em particular na área da tecnologia.

Em 2020, as candidaturas de mulheres a funções na área da tecnologia e da gestão da ciência na Unidade FCCN, representava apenas 25% do total das candidaturas recebidas. Se detalharmos esta análise, vemos que o fosso das candidaturas no caso das funções tecnológicas é ainda maior do que na área da gestão de ciência, com apenas 18% das candidaturas recebidas para funções IT representarem mulheres.

Estes dados iniciais influenciam todos os outros resultados ao longo do percurso profissional. Menos candidaturas de mulheres resultam em menos mulheres contratadas, impactando todas as nossas decisões futuras. Desde a menor presença de mulheres na pool de candidatos disponíveis para novos desafios internos, à menor presença de mulheres em cargos de influência.

#3 A Unidade FCCN deu passos para a eliminação dessas dificuldades? Quais?

Na FCCN, procuramos agir em duas vertentes. Por um lado, mantendo o standard da nossa atuação interna, garantindo a valorização de todos os elementos da equipa, independentemente do género, pelas suas competências e capacidades e a equidade interna no tratamento e no acesso às oportunidades. Isto, sem ignorar o facto de que o preconceito faz parte da sociedade e que, como tal pode manifestar-se, mesmo que de forma inconsciente.

A outra vertente é a da divulgação, dando visibilidade à promoção das mulheres na ciência e na tecnologia. A colaboração em iniciativas como o International Day of Women and Girls in Science, são um excelente exemplo. Também a promoção da visita de estudantes à FCCN contribui para este objetivo. A apresentação não só do que fazemos como das profissionais que fazem parte da nossa equipa, revela o nosso propósito a rapazes e raparigas. Não apenas aos nossos utilizadores de hoje, estudantes do ensino superior, mas também aos estudantes e profissionais de amanhã.

#4 Qual o contributo que dias como o “International Day of Women and Girls in Science” podem oferecer para a resolução desses problemas?

Penso que estas iniciativas contribuem mantendo o tema vivo, envolvendo e inspirando diferentes gerações.  À medida que as iniciativas nesta área vão ganhando mais visibilidade, é partilhada essa visibilidade com todas as mulheres que nela estudam ou trabalham. Acredito que o reconhecimento da sua existência, em primeiro lugar, mas também dos seus contributos, e das suas vivências, gera encontros de histórias e experiências. A entreajuda que daí advém, o alerta para os problemas existentes e a proposta de soluções para a sua resolução, inspiram toda uma nova geração, que ganha consciência de que aquela realidade também é uma possibilidade para si. À equipa da FCCN, resta-nos continuar a trabalhar para garantir que temos uma boa realidade para apresentar quando cá chegarem.

#5 Há alguma coisa que deseje acrescentar?

Já que falamos de partilha, partilho livros que partilham histórias. O primeiro intitula-se “Inferior”. Neste livro, a autora Angela Saini ajuda-nos a perceber o contexto das mulheres na ciência e o que está a ser feito, com base na melhor ciência, para corrigir as perceções e os erros passados. Este livro foi-me oferecido por duas grandes mulheres, também elas do meio das ciências e da tecnologia. Partilho porque, para mim, representa que as mulheres, independentemente do meio profissional, juntas, são sempre mais fortes.

O segundo livro é para miúdos e graúdos: “As cientistas”, de Rachel Ignotofsky. Um livro ilustrado que apresenta 50 mulheres notáveis (também) na área das STEM.

Por fim, a homenagem às mulheres de ciência portuguesas. Através de qualquer uma das 3 edições do livro “Mulheres na Ciência”, conhecemos algumas das mais notáveis mulheres contemporâneas portuguesas na área das STEM. Não só pelas suas palavras, mas através da lente de vários fotógrafos convidados. Os livros impressos estão disponíveis na loja do pavilhão Ciência Viva ou podem ser descarregados na página da iniciativa aqui.

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